ABSTRACT
CONVIVENDO COM O MORRER
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Ciclo do renascimento - Leunam Max |
GESTALTEN BIOLÓGICAS EXISTENCIAIS
No mundo material e objetivo em que vivemos, está presente a maior angústia existencial, a terminalidade, a morte. Uma característica básica do homem é o pensar e o modo de como o faz, explicando de como o pensar nos define como existência, moldando por um tempo indefinido a tentativa de perpetuar sensações em detrimento a “ganhos” no modo relacional. O convívio com a angústia de morrer leva a um paradoxo entre a realidade de estarmos morrendo em nosso processo existencial e a terminalidade biológica. Outro fato que nos confronta com o morrer é a sexualidade em seus dois aspectos: o procriar e o prazer. Segundo alguns autores, nossas vida se estabelece de acordo com o nosso nível de awareness do Eu e não de “eu”. O conhecimento destes elementos confronta-nos de forma preparatória com o mito interior, o grande morrer. Desta forma compreende-se que nosso contínuo existencial está ligado ao modo como com as nossas pequenas mortes (gestalten existenciais) que irão formar o todo da morte final (fechamento da gestalt biológica), assim renascendo a cada instante favorecendo um morrer saudável que não precisa ser doloroso ou negado, mas simplesmente natural.
"Visto que a matéria e a substancia das coisas são indestrutíveis, todas as partes que a compõem estão sujeitas a todas as formas, pelo que o uno e o múltiplo se transformam no múltiplo e no uno, se não num mesmo tempo e num único momento, em vários tempos e momentos, em sequência e em alternância."
(O retorno de Giordano Bruno)
CONVIVENDO COM O MORRER
GESTALTEN BIOLÓGICAS EXISTENCIAIS
Dr. Evilázio Lima
Psicólogo e Acupunturista
No mundo material e objetivo em que vivemos, apesar de todo avanço científico - tecnológico a maior angústia existencial ainda é o lidar com a terminalidade, o que nos faz permanecer mantendo contato com tudo que acreditamos como único; e evidentemente nos parece ser o sentido de nossa existência. Isso se transforma em um dado real que dificulta e às vezes torna quase impossível uma retirada que nos possibilite o novo. Dentre as várias opções criadas por nossa existência é o aparato religioso que nos traz um aparente conforto de continuidade, independente de como isso se proceda, que continuaremos a existir. As promessas religiosas e espirituais mais comuns são da eternidade da alma, do renascer em um paraíso ou inferno como gratificação ou castigo ou ainda renascer em nosso mundo físico com uma proposta de evoluir com uma essência espiritual através de processos kármicos. Quando em nossas relações com os fenômenos mundanos algo não sai dentro de nossas expectativas, podemos atribuir à forças exteriores, divindades ou simplesmente... “Deus quis ou Deus não quis” e assim nos distanciamos da possibilidade de mudar a realidade, permitindo a “morte” do que já não é mais possa favorecer um novo ressurgir. No entanto ao que nos parece, todas essas promessas vinculadas aos diversos credos não nos privam de uma maneira geral de vivenciar em um nível psicológico bem concreto o conviver com “as perdas existenciais e biológicas”, o que nos torna os argonautas da morte.
É possível que a maioria das pessoas não se dê conta de que quando nasceram ou foram concebidas começaram a morrer, e de uma maneira muito sábia a natureza nos põe à prova do nosso convívio com a finitude das coisas. Ao nascer somos formados por uma trindade de funções que são estabelecidas por razões evolutivas, pois enquanto embriões nossa forma final (gestalt biológica), deriva-se da tríade que alicerça a nossa configuração organísmica: o ectoderma - estrutura que surge em um primeiro plano e vai definir o modo de como percebemos e sentimos o nosso mundo exterior e interior; o endoderma que de uma forma geral é responsável pelo nosso “digerir” bioquímico e psicológico e o mesoderma que vai facilitar o nosso processo de como sentimos , absorvemos, expressamos nossas gestalten (abertas ou fechadas) no nosso estar no mundo. Esta tríade biológica estabelece os nossos limites de contato e como estes, corroboram de uma forma constritiva ou expansiva a nossa compreensão de mundo.
Outra característica básica do ser humano, que nos diferencia de outras espécies é o pensar e o modo como o faz. Desta forma a máxima cartesiana de: “Penso logo Existo” explica de como o pensar nos define como existência, ou seja: se eu escolho em guardar uma raiva, uma dor, uma tristeza, ou qualquer sentimento afetivo estando este consciente ou inconsciente, molda por um tempo indefinido a tentativa de perpetuar essas sensações em detrimento de possíveis “ganhos” no modo relacional. Assim nos parece mais fácil entender que a eternização de nossos caracteres como seres únicos dependem do como pensamos e nos sentimos diante dos eventos e circunstâncias que fenomenalizam o nosso existir, e assim criamos mitos. Dentre estes podemos considerar como maior, o mito da morte.
Keleman (1980, p.71) coloca que “A experiência está ligada ao mito. Estar mergulhado na própria experiência é viver seu próprio mito, sua própria história de vida. Toda vez que refletimos sobre aquilo que experimentamos, estamos criando uma estória para explicar aquela experiência, ou estamos aceitando a explicação de outrem sobre ela: nossos pais, nossos professores, o chefe, nosso cônjuge, a cultura”.
O convívio com a angústia de morrer estabelece um paradoxo entre a realidade de estarmos morrendo em nosso processo existencial e a terminalidade biológica. Sob circunstâncias como doenças, acidentes e desafetos profundos criamos o mito de que estamos sob a eminência da morte. O que não nos damos conta é que nosso morrer existencial deriva-se do fato de termos nascido e ao que tudo indica, nascemos para morrer. É muito importante entendermos que o morrer não significa a morte, mas sim o modo de como transpomos os fatos mais marcantes em nossa vida biológica, psicológica e espiritual. Por exemplo: nossas gestalten biológicas do desenvolvimento (criança, adolescente, adulto e o velho). O surgimento e o desaparecimento de emoções intensas e alterações de credo em função de nossos níveis de awarenes nos liga com algo indefinido e divino que tenta explicar nossas ações temporais na vida biológica e após esta. Então o nascer e o morrer guardam uma relação direta de como interagimos com nossos valores e expectativas psico sócio culturais.
Autores como A. Maslow, R. Assagioli, Jung, P. Weil, Groff e outros começaram a preocupar-se com os limites do conhecimento cartesiano que não podiam explicar determinados acontecimentos que envolviam estados alterados de consciência e era mais fácil lidar com estes através de um rótulo do que explorar de uma maneira criativa estes estados e promover uma reintegração psico-biodinâmica. Através de sistemáticos estudos dos autores acima citados entre outros, desenvolveu-se um campo da psicologia que hoje é conhecido como Transpessoal, que busca explicar os fenômenos além da pessoa, o que foi um grande marco para o estabelecimento de condutas que buscam minimizar entre outras aplicações, o sofrimento de indivíduos que estão eminentemente frente à morte biológica.
Entretanto para o nosso entendimento o ser humano não estabelece um crescimento ou compreensão transpessoal e sim uma expansão de seus próprios níveis de awareness não para além dos seus limites pessoais, mas ampliando estes para uma compreensão mais profunda de sua existência na unidade cósmica. Portanto, não é simplesmente se encontrar recursos para que se possa intervir unicamente nas pessoas que estejam sendo acometidas de doenças tidas como terminais, mas promover revisões quanto ao estabelecimento dos mitos que esta pessoa fixou durante sua interação sócio cultural, isto é, tornar consciente o que Keleman coloca sobre a existência do grande morrer e do pequeno morrer. Se entendermos morrer como a finitude de algo isto está sempre acontecendo em nossa vida, pois a cada instante em uma relação espaço-tempo muito subjetiva (contato-retirada) estamos sempre lidando com terminalidades, quando expiramos logo inspiramos, quando comemos ou bebemos logo excretamos, estabelecemos vínculos e os perdemos, nossas funções físico metabólicas estabelecem ritmos de plenitude e vazio, expansão e contração e assim nos aspectos biológicos, sociais e espirituais estamos sempre morrendo e renascendo em algo.
Outro fato que nos confronta com o morrer é a sexualidade, onde dois aspectos permeiam esta forma de relação: o procriar e o prazer. Quanto ao procriar, este parece ser o vínculo dentro do campo filogenético de nossa permanência como espécie, e o prazer sexual, uma forma de expressar as tensões estabelecidas pela carga de energia acumulada em nossas relações existenciais.
Independente pela busca do prazer ou procriar o ato sexual é culminado por um pico explosivo (descarga orgástica ou um fechamento de uma gestalt), que parece muito se assemelhar ao processo de morte, pois em situações de orgasmo muitos indivíduos experimentam uma fragmentação do ego, uma perda de identidade sexual (Grodeck) e uma sensação de estar morrendo ou morrer. Outra questão ligada à morte ou ao morrer é a identificação com o ideal do corpo, que de acordo com as questões interativas, toma formas que contam uma história vivenciada pelo indivíduo.
Ao observar estas transformações, geralmente o que se pensa é que elas são algo que vem de fora para dentro e que não se pode intervir em cima da vontade do corpo. Assim sendo, idéias como: “Eu estou velho para isto!”, ou... “Eu só posso fazer isto!” ou... “Se eu não posso mais, estou velho para!”... “Então, só me resta esperar a morte!”.
Se olharmos bem para estas questões o que pode de imediato nos chamar a atenção é o fato de que para nos definirmos como atitude, como limitação ou forma expressiva; utilizamos sempre o pronome do caso reto “eu” e esta primeira pessoa é sempre identificada com padrões e papéis sociais que circunscrevem a existência individual. Portanto quando se diz “Eu estou morrendo...” este tipo de pensar nos confronta quase sempre com a possível morte imediata, o que pode ou não ocorrer, o que queremos dizer é que necessariamente o Eu não precisa estar sempre identificado com qualquer processo existencial, pois a excessiva fixação em um deles pode nos levar a uma configuração que impossibilita outras expressões desse Eu centro.
Segundo Assagioli e Pierrakos toda nossa vida se estabelece de acordo com o nosso nível de consciência do Eu e não de “eu”, pois no Eu centro reside o núcleo (core) de nossa responsabilidade e a consciência mais profunda da nossa vontade de existir em nosso processo de morrer.
Podemos expandir o Eu das estruturas mais básica da vida como comer, reproduzir e preservar-se (Eu básico), para uma consciência do desempenho dos papéis de ordem social e cultural (Eu pessoal) e esta consciência ampliar-se em uma compreensão global do sentido da existência em uma subjetivação da ordem cósmica a cerca da DIVINDADE existencial (Eu expandido, Eu cósmico ou Eu transpessoal).
O conhecimento destes elementos e o se dar conta da finitude deles e o surgimento de outros, confronta-nos de uma forma preparatória com o mito interior, o grande morrer. Então para podermos morrer é necessário nascer e para nascer é preciso morrer. Desta forma é possível a compreensão de que nosso contínuo existencial está ligado ao modo como lidamos com as nossas pequenas mortes (gestalten existenciais) que irão formar o todo da morte final (fechamento da gestalt biológica) de como em vida morremos e renascemos a cada instante favorecendo um percurso de morrer saudável que não precisa ser doloroso ou negado, mas simplesmente natural.
REFERENCIAL TEÓRICO
AQUINO, Regina de. Objetivo da Terapia Transpessoal Tanatológica. Curso de Psicologia Transpessoal, 1994.
ASSAGIOLI, Roberto. O ato da vontade. 9° edição, São Paulo: Cultrix, 1993.
BOADELLA, David. Correntes da vida. Uma introdução à Biossíntese. São Paulo: Summus, 1992.
CAMPBEL, Joseph. A imagem mítica. Campinas, SP: Papirus, 1994.
CAPRA, Fritjof. Sabedoria incomum. 10° edição, São Paulo: Cultrix, 1995.
KELEMAN, Stanley. Living your Dying. 5° edição, New York: A Random House Book works Book, 1980.
TULKU, Tarthang. Gestos de equilíbrio. 14° edição, São Paulo: Pensamento, 1997.
WEIL, Pierre ET al. Pequeno tratado da psicologia transpessoal, Vol I. Petrópolis: Vozes, 1978.
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